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A mostrar mensagens de 2025

Crédito mal parado

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Há cerca de 26 anos, mais mês, menos mês, estava eu sentado numa cadeira da Caixa Geral de Depósitos à espera da minha vez para me fazerem uma simulação de crédito à habitação. Depois das tradicionais duas horas de espera passadas a ler papelinhos com percentagens De TAE, TAEG e juros, lá me chamaram ao gabinete asséptico onde aquela gente trabalha rodeada de um absoluto silêncio que só ousam quebrar com os sussurros que nos dirigem. Após ter dito ao que vinha, o que provocou um arquear de sobrancelhas ao funcionário que interpretei como um "está bem, está", lá começou o seu processo inquisitorial: Como me chamava, o número do BI, o número de identificação social, o número da segurança social, número de sócio do Benfica, data de nascimento, recibo de vencimento, habilitações literárias, se era casa de primeira ou segunda habitação, se tinha fiador, quem eram, o que faziam e se participavam nalgum rancho folclórico, se iam à missa ou ouviam discos do José Cid. Ao fim de mais d...

Rua do Alecrim

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  A propósito de nada. Vinham hoje à minha frente, e a descer lado a lado a rua do Alecrim, duas jovens meninas, uma preta e uma branca, que andariam, talvez, lá pelos seus vinte anitos e com o ar inconfundível de quem mora em Monte Abraão ou terras assim.  A preta, magra e negra como a ferrugem e a branca com um cu que eu, à primeira vista, confundi com o Largo Camões, com tuk tuks estacionados e tudo, Mas o que impressionava mais não era aquela enorme mole de carne cujo relevo geológico deixava adivinhar uma enorme actividade sísmica ou meteórica que cravara a superfície com profundas crateras de celulite, o que impressionava mais eram aqueles pobres butties, que se esforçavam para não serem engolidos por aquele enorme nalguedo que se fosse um ciclone estaria certamente classificado como grau 5. A sério que ainda pensei tirar uma fotografia para memória futura. Pus a câmara do telefone em modo parorâmico para fazer uma 360º que captasse o início da anca que ficava a Leste e ...

Faz hoje 40 anos

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 Onde estavas há 40 anos atrás? Se alguém nos fizer esta pergunta a reacção mais provável é a resposta cliché: Há quarenta anos atrás? Eu nem me lembro do que jantei ontem... Pois é. Ninguém sabe! Mas se eu disser que faz hoje precisamente 40 anos que se realizou o memorável concerto organizado por Bob Geldorf e Midge Ute já se fará luz nalguns cérebros e um ahhhh colectivo faz-se ouvir. E se eu disser ainda que esse concerto se chamava Live Aid já teremos luzes suficientes para enfeitar uma árvore de Natal. Os outros, os outros que não se lembram que se lixem. Vão recordar o He-Man e o Marco do macaquinho e os que nem disto se lembram que passem à frente e vão ver aqueles questionários muito engraçados em que ficamos a saber o significado do nosso nome, quem é o nosso melhor amigo e em que ano vamos morrer e porquê. Mas hoje faz 40 anos que se realizou o Live Aid. O objectivo era angariar fundo para combater a fome na Etiópia  e nem o facto da maior parte do dinheiro angariad...

Figueirinha

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  Ontem inaugurei a época balnear 2018, a minha claro, e armado de guarda-sóis, mala térmica e família lá rumei eu em direcção à praia da Figueirinha que, de há 3 anos a esta parte, se tornou a minha praia de eleição desde que abandonei definitivamente Sesimbra tornada por estes tempos um antro de gente e famílias de plástico, muito iguais, umas às outras, muito finas e cujo passatempo favorito é caminhar ao longo da praia importunando todos quantos querem praticar uma actividade à beira mar. Quando nos programas de vida selvagem falam dos números impressionantes de mortes que um simples gato doméstico provoca na avifauna local quando deixados em liberdade, eu respondo imediatamente com o número ainda mais impressionante de pessoas que um só destes passeadores de peles e banhas tostadas pelo sol pode incomodar. Param jogos de futebol, de raquetes, de voleibol, pisam e destroem poças e piscinas que extremosos pais tinham construído para os seus pequenotes, param praticantes de ski...

Uma pergunta póstuma a Stephen Hawkins

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Quando tenho o computador avariado gosto de me cultivar e não deve ser admiração para ninguém se eu disser que ele avaria muito poucas vezes!  Mas a realidade é que ele agora está avariado e lá estive eu agarrado à televisão a ver um programa do canal National Geographic sobre a criação do Universo e da existência ou não de Deus. Seria Deus necessário à criação do Universo? Stephen Hawkins dizia que não, para haver criação basta existir três coisas, matéria, energia e espaço.  Como a matéria e a energia são uma e única coisa, bastaria existir duas coisas: Energia e espaço. O tempo só viria a seguir. E se o tempo começou com o Big Bang não podia existir nada antes da grande explosão. Mas então como se criou a matéria perguntam alguns de vocês? Responde o Stephen: Não existia! Tal como os protões que tão depressa podem existir como não existir, também a matéria não existia antes do momento zero e por isso Deus não existia! Não percebi nada mas fiquei muito surpreendido com a con...

OMO lava mais...mais...

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Na senda do mundo coninhas que estamos a construir para os nossos filhos, soube anteontem que, à semelhança da Unilever e na sequência das manifestações antirracismo motivadas pela morte de George Floyd, a LÓreal vai retirar as palavras branco, branqueamento, claro ou clareamento dos seus produtos para a pele, uma vez que estas designações poderão ter conotações étnicas ou racistas por direcionarem os respectivos produtos para uma raça específica: a branca, uma vez que pretos, excepção feita a Michael Jackson, amarelos e vermelhos não terão interesse algum em branquear ou clarear o que quer que seja. Depois de ter andado à procura e encontrado o meu neurónio que ao ler esta notícia decidiu esconder-se na gaveta das meias, comecei a dar-lhe uso e a pensar nas implicações que este pequeno passo dado por estas marcas poderá ter na nossa vida futura. Qual será o futuro dos bronzeadores? Poderemos utilizar sem ofender alguma raça ou etnia? E em caso afirmativo como os podemos pedir na farmá...

O bicho homem

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 Estive a ver com muito interesse um programa no canal Caça e Pesca que a NOS fez o favor de me oferecer.  O programa, em si, chamava-se "Em viagem: na Foz do Zambeze", o assunto era... tiros aos bichos, os protagonistas são os próprios bichos, um espanhol armado com 3 pretos e um branco, que pelo portunhol suspeito seja português, e uma arma de grande calibre.  O enredo é simples, os bichos lá andavam a fazer pela vida muito sossegados a pastar e o espanhol com a sua trupe, aproxima-se por trás e pumba. Mata o bicho! Depois de dar uma palmadinha de felicitação nas costas do Portuga, aproxima-se muito condoido e como se não tivesse nada a ver com o assunto e estivesse ali meramente por acaso, diz fazendo uma festa no animal estendido no solo que se esvai em sangue "Qué bonito, qué bonito". .... pois era, senhor caçador, pois era.

Lágrimas de mãe

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Toquei-lhe na orelha procurando memorizar na ponta dos meus dedos os seus contornos, tenho pouco tempo, muito pouco tempo, dois ou três meses no máximo. Estamos em Outubro e três meses antes tinham dito seis meses. Seis meses, isto daria…. A sua mão esquerda em cima da mesa da cozinha, as unhas estriadas e no dedo anelar duas alianças, uma de ouro e outra de prata. Procuro decorar tudo. Mas quem pousa a mão em cima da mesa não é ele. A última vez que o vi era Agosto e estava de partida para o Algarve e ele à janela da varanda despedir-se de mim com aquele olhar que me deixou de herança. Na altura achei-o magro, mas pensei que era a ausência da barba recém cortada que o tornava diferente aos meus olhos, não vi que ele estava a envelhecer, as análises… tinha-as feito uns dias antes. Agora não era ele, mas antes uma sombra do que fora. A médica, com o resultado dos exames em cima da secretária, recebe-me com palavras que eu não entendo, pergunto-lhe o que quer dizer e ela explica-...

Apagão

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  Com o apagão de ontem ficámos a saber: 1. Que a desactivação das centrais de Sines e do Pego foi uma grande ideia de António Costa; 2. Que ir para Presidente do Conselho Europeu também foi uma excelente ideia de António Costa; 3. Que basta os espanhóis levantarem um dedo que Portugal torna-se num país Subsariano, sem água, luz, comunicações, mobilidade e com acesso restrito a bens alimentares 4. Que basta os franceses levantarem um dedo que Portugal torna-se num país Subsariano, sem água, luz, comunicações, mobilidade e com acesso restrito a bens alimentares; 5. Que basta alguém com um alicate na mão que Portugal torna-se num país Subsariano, sem água, luz, comunicações, mobilidade e com acesso restrito a bens alimentares; 6. Que é nas noites mais escuras que se vêem mais estrelas; 7. Que a Protecção Civil só aparece quando chove e quando há câmaras de televisão por perto; 8. Que há vida para além do sofá; 9. Que o síndrome do papel higiénico continua latente em...

Reflexões a bordo do Carnide

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  Hoje acordei pensativo. Ou melhor, tornei-me pensativo. É o que dá uma viagem de barco de 30 minutos sem nenhum livro por perto. Não que não tenha na estante uma série de livros em fila de espera para serem lidos, mas simplesmente porque não me apetece. Eu e a leitura estamos de costas voltadas, não por estarmos zangados mas como dois bons amigos que podem fazer uma longa viagem sem trocar uma única palavra, simplesmente porque não há necessidade. Assim estou eu e os livros, e quando não tenho livros, penso, recuo no tempo e viajo. Sim porque já tenho idade suficiente para recuar no tempo e encontrar mundos diferentes do actual… ou dos actuais pois foi por aqui mesmo que os meus pensamentos derivaram. Da percepção do mundo e da interpretação que cada um de nós faz dele. Podemos dizer que há só um mundo ou existem vários? Um para cada um de nós. Cada pessoa tem um mundo e um Deus, o seu mundo e o seu Deus. Por esse motivo, as religiões que pregam o monoteísmo pregam apenas um conc...

Uma questão de linguagem

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 A propósito de uma notícia que li aqui no facebook lembrei-me de um episódio que se passou comigo há alguns anos e do qual já me tinha esquecido por completo Encontrava-me eu, na altura deste episódio, destacado nas OGMA, em Alverca, a tentar cumprir o melhor que sabia e que podia a missão de gerir o Posto Médico. Era uma realidade muito diferente da que eu estava habituado, uma população fortemente sindicalizada e avessa à abertura de serviços a entidades privadas e onde, mercê de um passado recente, ainda reinava com um comportamento por vezes quase militar onde as pessoas estavam habituadas a apresentar-se pelo número mecanográfico em vez do seu próprio nome e então logo a mim que gozava de uma experiencia militar de quatro horas inteirinhas passadas no quartel de Setúbal. Então, estaria eu talvez no primeiro quarto do meu mandato de quatro anos, quando recebi uma chamada do Parque de Saúde de Lisboa (vulgo Júlio de Matos para os que se recusam a actualizar como eu). Do outro l...

Deliciosamente sem juízo

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  Juízo! Detesto que me digam para ter juízo! Se há duas coisas que não gosto de ter é razão e... juízo! Acho que as pessoas ajuizadas e sempre cheias de razão são um tédio e têm como único objectivo neste mundo aborrecer de morte as outras pessoas! Sempre muito ponderadas, sempre muito cautelosas, sempre muito medrosas. Só para se certificarem que terão razão em tudo o que disserem ou farão, são incapazes de tomar uma decisão por impulso, dizer sim só porque sim e não porque, só após uma análise cuidadosa do problema a consciência as aconselhou finalmente a dizer sim. Fazem da vida um jogo de xadrez onde tudo se resume a estratégia e a movimentos ponderados de causa e consequência. Poderão vir a ser bem sucedidos na vida mas nunca terão momentos de maravilhosa genialidade. Com os olhos postos no chão, nunca tropeçarão é verdade, mas também nunca verão a cor do céu. A vida, felizmente, não tem livro de instruções e dá-nos a chance de errar e de aprender com os nossos erros. Quem nã...

Vidas

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  Enrolada no tapete da sala D. Charlotte Theodora Maria Ceguinha dorme a sono solto, nem dá por mim quando lhe aproximo um dedo do nariz, ou melhor, dá porque vejo as narinas a sorver o ar e os bigodes tremelicar à procura de qualquer coisa porque valha a pena abrir os olhos. Não encontra e permanece impávida e serena se queixo para cima mostrando a pequena malha branca que lhe tinge o pescoço. Dou voz ao meus pensamentos “o dia de hoje igual ao dia de ontem e igual ao dia de amanhã” e depois, só para mim, penso que não há vida melhor e que já merecia eu próprio uma vida assim: sem objectivos, sem preocupações, sem ambições. Apenas viver. Junto à rotunda da BP, uma pequena mancha branca agita no ar a cauda e as patas que já não o vão levar a lado nenhum, o resto do corpo está imóvel. Terá três meses quanto muito e há um minuto atrás estaria convencido que o seu dia de hoje seria igual ao dia de ontem e igual ao dia de amanhã. Contorno-o com o carro e vejo-lhe os olhos azuis esgaze...

O amigo Clovis

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12 de Abril de 2023  "Tive ontem conhecimento que um tal de Cláudio, que, o ano passado, em companhia de mais dois fuzileiros, agrediram e mataram a soco e pontapé um policia à paisana à porta de uma discoteca, irá apresentará como elemento de defesa em tribunal, que a vítima já estaria ferida de morte quando a tentou agredir. Apesar de ter lido esta notícia logo pela manhã, confesso que 24 horas depois ainda estou a tentar digerir este tipo de argumento e que, caso raro, me faltam as palavras para dizer o que sinto a este respeito.  Será possível existir neste mundo alguém com tanta falta de remorsos que lhe permita alegar em sua defesa que, quando tentou pontapear na cabeça a vítima, já esta agonizava no chão ferida de morte? Pretende com isto dizer exactamente o quê? Que era indiferente se a pontapeasse ou não porque iria morrer na mesma e portanto os seus pontapés foram meramente circunstanciais? Que aqueles pontapés foram irrelevantes? Merece por esse motivo a simpatia do...

Sr. Soares

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  Há uns dias atrás, em conversa Facebookiana com uma amiga, disse-lhe que, ao contrário dela não privava com ninguém famoso... esquecia-me, na altura, de Eduardo Soares, para mim sempre o Senhor Soares. Figura carismática por quem eu nutria grande amizade, partilhámos em conjunto e sem ciúme um mesmo amor, o Glorioso!  Recordo as nossas sempre curtas conversas benfiquistas onde ele, com o eterno lenço a espreitar-lhe pelo bolso do peito do paletó e apoiado nos seus inúmeros recortes de jornal, me provava sempre por A+B que o Benfica tinha sido malevolamente extorquido de mais uma vitória no campeonato nacional. A última vez que o vi, em meados de Março, achara-o, débil e enfraquecido. Contara-me que a família já não o deixava vir a Lisboa com receio. já quase não me mostrou os seus recortes Com grande mágoa, soube hoje que o Senhor Soares tinha partido no dia 6 de Abril, para defender as redes de outro campeonato e sem sequer ter oportunidade de ver o seu querido clube arreca...

Se eu fosse tu

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 No autocarro 36 viaja todos os dias comigo, excepto quando eu ou elas não vamos, um trio de loiras fingidas, ai na casa dos quarentas e bastantes, que consideram que o autocarro é o melhor local para tratar das suas vidas. Duas delas ,muito activas e despichadas (não, não me enganei, não é despachadas é despichadas mesmos) elejeram como objectivo principal da sua vida, despichar a terceira e, durante a viagem, lá lhe vão dando todos maus conselhos que conseguem desde o Cais do Sodré à Avenida. “Mas porque é que não o deixas a falar sozinho?”, pergunta uma. “Mas porque é que não te separas?”, pergunta a segunda. E a terceira com um ar abatido lá se vai defendendo como pode com uns “Não sei” ou uns “sei lá”. E as despichadas insistem: “Eu se fossa ti...”  Mas não são ti e a rapariga, triste, não sabe o que fazer. “Se fosse comigo já estava com dono”, diz a mais insistente. “olha, o meu foi logo… e estou muito feliz assim sem chatices nem preocupações. Antigamente era chegar a c...

Daniela, a Intrépida

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 Venho aqui fazer homenagem ao programa da manhã do José Candeias. Sem ele, metade das minhas crónicas acéfalas nunca abandonaria a minha mente e, mais tarde ou mais cedo, acabariam por me fazer envenenar o sangue ou explodir como uma panela de pressão.   Num dia destes, a entrevistada foi uma Daniela qualquer coisa que já detém vários recordes no Guiness, entre eles o feito de ter sido a primeira mulher  portuguesa a subir ao Evereste e por já ter tentado atravessar o Canal da Mancha a nado, só sendo detida o mau tempo que na altura se fazia sentir e que agora trabalha numa ONG qualquer, a fazer não sei o quê a umas crianças quaisquer do Continente Africano.  Pois bem, caso  Sr José Candeias não saiba, também eu já atravessei três Continentes a pé e sem qualquer ajuda ou patrocínio que não fosse a minha própria carteira. Mais, estou a planear já para o Verão atravessar o Continente de Vila Nova de Gaia só de sandálias e calções bermudas.  Quanto à tra...

Era uma vez um lobo

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Quinta-feira passada foi aprovada em Espanha, com os votos a favor de quatro partidos da direita, uma Lei que retira o lobo ibérico da Lepre (Listado de Especies Silvestres en Régimen de Protección Especial), para a qual tinha entrado em 2021, passando agora a ser uma espécie cinegética alvo da mira, telescópica ou não, dos bravos caçadores que poderão voltar a exibir a carcaça de um lobo ensanguentado amarrado ao capot do seu jipe e contar as suas façanhas como destemidos caçadores de lobos, primeiro nos encontros da classe onde se fazem acompanhar pelas suas esposas ricamente pindéricas trajando a preceito casacos e chapéus verde seco e depois, mais tarde, quando a artrite os atingir, aos seus netos que os ouvirão de olhos esbugalhados, imaginando, pela descrição do avô, como deveriam ser perigosas aquelas caçadas de tempos idos, sem lhes passar pela cabeça que o dito avô se limitava a abancar o cu num banquinho de três pés e esperar que os monteiros, com a ajuda de uma matilha de cã...

O suave milagre

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A moça não era excessivamente bonita mas o rapaz do talho que a atendia não parava com as graçolas enquanto lhe aviava o meio quilo de iscas de porco. O sorriso era tão grande que começava numa ponta do balcão, passava pelo entrecosto e terminava no outro lado junto aos frangos do campo. Há que saber esperar e eu esperei enquanto o bicho dengava mais um pouco tentando a sua sorte e ela lá ia correspondendo com a gargalhada suficiente para mante-lo cativo. “E uns bifes desta peça não queres?” – tratava-a por tu - ”Podes levar à minha responsabilidade. A sério! Se não gostares vens falar comigo que eu devolvo-te o dinheiro!”. Se ele fosse tão eficaz no engate como a vender bifes não havia rabo de saia no raio de 100 quilómetros que lhe resistisse. E lá cortou meia dúzia de bifes daquela bela peça de carne que ele tanto elogiara. A balança estava mesmo à minha frente e sem margem para qualquer dúvida, vi-o marcar bife do redondo, 9,99 € o quilo. Não estava caro, pensei, e de facto tinha m...

Em boca fechada...

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 Logo pela manhã tive o prazer de ouvir a primeira figura de Estado a debitar mais uma das patetices a que infelizmente já nos fomos habituando. Dizia a proeminente figura que é necessário e premente atrair mais jovens para a política.  Palermice trazer jovens para a política? Não! A palermice veio logo de seguida quando ele, com o entusiasmo que uma câmara de televisão, um microfone ou mesmo um gelado Corneto lhe provocam, continuou: “… e imigrantes. Portugal precisa de imigrantes na política, já repararam que Portugal com tantos imigrantes tem tão poucos representante na política?”.  Felizmente, nesta altura ou lhe cortaram a emissão ou lhe caiu a dentadura ao chão e o resto das suas ideias brilhantes ficou a amadurecer para uma próxima entrevista. Todavia a lebre estava levantada e, enquanto acabava uma valente fatia de pão alentejano com manteiga, dei por mim, muito intrigado, a pensar. “E coelhinhas da Playboy? Também há muito poucas na política, ou mesmo nenhumas se...

Dia do Pai

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 Pai, tenho saudades.  Sabes que eu nunca gostei de pirolitos, nem de qualquer outra bebida com gás, mas eu queria tanto o olho de boi que estava dentro daquela garrafa… Hoje é me impossível olhar para uma garrafa de pirolito sem me lembrar de ti e daquela pioneira das roulottes que se encaixava num passeio à saída de Moscavide onde me compravas um pirolito e uma fartura. A fartura descia, o pirolito é que não. O gás subia-me ao nariz e dava-me vontade de espirrar. Mas eu gostava tanto daquele olho de boi…  O Verão já terminou,  e ao fim da tarde já sopra aquela frescura que nos arrepia os braços logo abaixo da manga da t shirt e nós sentados naquelas cadeiras de ferro, eu com o gás do pirolito a subir-me ao nariz e tu de volta com a tua cervejinha, loira, com borbulhinhas de frescura a subir dentro do copo que levavas à boca delicadamente levantando o dedo mindinho  O dono da roulotte, de bigode à Errol Flinn, passa o pano no alumínio do balcão e fala com dois ...

Stephen Hawking

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 (publicado originalmente a 14 de Março de 2018) Às sete da manhã, quando liguei o rádio para ouvir as notícias da Antena 1 a primeira palavra que ouvi foram duas: Stephen Hawking! “Pronto, já está!”, pensei eu. “Para não abrirem o noticiário com um estudo levado a cabo por alunos paraguaios sobre a importância dos desenhos animados do Sponge Bob no desenvolvimento das crianças e falarem do homem é porque bateu a bota!”. Dito e feito, o homem bateu mesmo a bota! Stephen Hawking, talvez por me ter sido apresentado demasiado tarde, não era das minhas leituras favoritas, teve azar, apanhou-me demasiado tarde na vida. Depois de ter passado a minha fase de Eng.º Químico, que sucedeu lá pelos meus onze ou doze anos, na época em que me fechava na casa de banho por horas consecutivas e, sobre o lavatório, misturava num frasco parecido com uma proveta, vários tipos de essências: perfumes, elixir oral, xaropes e pastas de dentes na procura incessante de algo extraordinário que nunca tivesse ...

Os Viscondes e os dez milhőes de tolinhos

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(Publicado originalmente em 6 de março de 2022) Num país enclavinhado entre as brancas montanhas onde corria descalça uma menina de saias vermelhas atrás das cabras do avô e as densas florestas onde um veado chamado Bambi afiava as hastes, vivia um Visconde que estava a passar um mau bocado da sua vida acumulando dívidas atrás de dívidas ao ponto de estar em risco de perder a casa.  O Visconde já não sabia o que fazer na vida, tudo lhe corria mal. Perdia título atrás de título ao ponto de se tornar a chacota das outras famílias reais. Começara como Rei, passara a Regente, depois a Príncipe imperial, a Príncipe real, a Grão-príncipe, a Príncipe, a Arquiduque, a Grão-duque, a Duque, a Marquês (e que saudades ele tinha do Marquês), a Conde, a Conde-barão e agora era um mero Visconde e se as coisas não lhe começassem a correr de feição muito em breve passaria a um mero Conde. Estava ele a refrescar os pés descalços numa ribeira que por ali corria quando deu com um velhinho que o observ...

Jacinto muito

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  “A terra precisava de ser mudada” Olho para ela, a idade tornou-lhe os olhos cor de mel de urze num azul pálido, acinzentado. Olhamos ambos para as flores que medram na floreira. São Jacintos que lhe ofereci há muitos anos atrás e que apesar de maltratados pelas geadas de Inverno e pelo estio do Verão, insistem em renascer todas as Primaveras. “A terra precisava de ser mudada”. “Em vindo o tempo mais quente venho cá tratar disso”, prometo. Todos os anos prometo e todos os anos esqueço a promessa, o amanhã é tão fascinante... Acho que todos os filhos são assim, acreditam ou refugiam-se na ilusória certeza da imutabilidade das coisas. “Para o ano...” Já não há “para o ano”, já não há amanhã, o tempo deteve-se para ela numa manhã fria de Dezembro, os seus olhos tornados azul pálido, escureceram-se da luz daquela manhã  e despedindo-se dos seus Jacintos partiu calmamente. Desistiu de promessas e foi ter com quem sempre lhe quis bem e pacientemente aguardou pela sua chegada. Dois...

A Morte das Putas

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A morte de Olivia Voltaire, actriz porno, noticiada há alguns anos, foi alvo dos comentários mais vis que tive oportunidade de ler no esgoto em que se tornaram as redes sociais, com particular destaque para o Facebook  em que palavras como "mariquinhas" constituem em desrespeito aos padrões da comunidade e nao vê mal algum em alarves que se regozijam com a morte de  pessoas e muito menos se for uma puta. A mentalidade mesquinha e retardada dos intervenientes, associada à vontade de dar opinião sobre tudo mesmo quando não se tem nada para dizer e à tentativa de ser considerado espirituoso, enojaram-me até a mim que não sou muito dado a vómitos. Olivia Voltaire, foi a última de uma série de cinco actrizes porno que morreram nestes dois últimos meses o que potenciou ainda mais a galhofa pela morte das putas. Estando longe os tempos das Pornex e Paris Brest  em casa do Cascão, dei-me ao trabalho de me actualizar e fazer uma pequena pesquisa na sobre quem eram as vitimas e que...

Anatomia de Grey

 Depois de passar as últimas seis horas da minha vida a ver em sessão contínua a série Anatomia de Grey que passa na Fox e que já vai na décima segunda temporada, resolvi escrever estas linhas para registo futuro e esclarecimento dos ignorantes, como eu, que, até à data, não tinham desperdiçado um minuto da sua vida a ver esta excelente série que relata o dia-a-dia de um hospital americano do qual não tive ocasião de reter o nome. E o que se passa no dia-a-dia deste hospital que pode tornar esta série de tal interesse que mereça doze temporadas? Cirurgias arriscadas? Salvamentos in extremis? Demonstração de grande acuidade médica com diagnósticos miraculosos? Nada disso! Aquela malta anda a comer-se toda uma à outra! A doutora não sei o quê anda o comer o doutor não sei o quantos, a assistente de farmácia anda a comer o anestesista que, por sua vez anda a comer a maqueira e a encarregada pelos internamentos que à noite vai a um bar gay comer quantas gajas lhe apareçam pela frente e...

Natal dos Olivais

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  Dentes a bater e mãos afundadas nos bolsos para tentar escapar ao frio, fazemos uma roda dando costas à humidade nevoenta. Nada nos faz ficar em casa, nem o frio que nos penetra camisolas e casacos de lã até nos chegar aos corpos faltos de carne, nem o nada que fazer para além da conversa habitual e do contacto uns com os outros. - Este ano vai nevar em Lisboa. – diz o Paulinho, passando a língua pelos lábios roxos de frio. E depois concluía - os americanos disseram. Todos os anos, quando chegava o Inverno, repetia as mesmas palavras e nós olhávamos esperançados o céu como se esperássemos a todo o instante ver um floco de neve cair sobre o nosso nariz. O querer era tanto que eu e o Cascão, ano após ano, fingíamos acreditar que assim seria e que naquele ano, a neve que só víramos na televisão, iria finalmente cair em Lisboa. - Este ano vai nevar… - repetia, e afundávamos as mãos enregeladas nos bolsos. Nunca nevou. Quanto muito, por vezes, nos dias mais frios, uma geada branquinha...