Faz hoje 40 anos


 Onde estavas há 40 anos atrás?

Se alguém nos fizer esta pergunta a reacção mais provável é a resposta cliché: Há quarenta anos atrás? Eu nem me lembro do que jantei ontem...

Pois é. Ninguém sabe! Mas se eu disser que faz hoje precisamente 40 anos que se realizou o memorável concerto organizado por Bob Geldorf e Midge Ute já se fará luz nalguns cérebros e um ahhhh colectivo faz-se ouvir. E se eu disser ainda que esse concerto se chamava Live Aid já teremos luzes suficientes para enfeitar uma árvore de Natal. Os outros, os outros que não se lembram que se lixem. Vão recordar o He-Man e o Marco do macaquinho e os que nem disto se lembram que passem à frente e vão ver aqueles questionários muito engraçados em que ficamos a saber o significado do nosso nome, quem é o nosso melhor amigo e em que ano vamos morrer e porquê.

Mas hoje faz 40 anos que se realizou o Live Aid. O objectivo era angariar fundo para combater a fome na Etiópia  e nem o facto da maior parte do dinheiro angariado ter escorrido directamente para o bolso de governos corruptos diminui a sua grandeza de intenções. Antes disso só o Woodstock em 69, se não me engano, em que as receitas eram gastas in loco em produtos naturais que punham as pessoas bem dispostas. Por cá, muito timidamente, tinhamos o Vilar de Mouros.

Pois bem, eu recordo-me. Há 40 anos atrás estava eu acampado na foz do Lizandro, com o Parreira, o Mourato, o Jacinto acompanhados de vários sacos de ameixas que tínhamos ido chinchar às quintas circundantes na noite anterior. No meu tornozelo direito um lenço a servir de ligadura. Depois de tanto saltar muros, tanto subir e descer de árvores, na travessia do rio Lizandro uma pedra aguçada vingou os incautos e depauperados agricultores.

Naquela idade, quilos e quilos de ameixas quentes comidas até à agonia dentro de uma tenda quente, não fazem a mínima mossa em corpos de ferro. E no rádio portátil as canções sucedem-se.

U2, Queen, Led Zeppelin. Madonna, Black Sabbath já sem Ozzy Ozbourn...

Vadiagem completa, sem mais nada que comer e sem dinheiro de sobra nos bolsos, juntam-se moedas e compra-se no café vizinho um pacote de bolos mais que secos que se esfarelam e se tornam em farinha na boca. Empalagam, como diz o Jacinto. 

Para empurrar... mais ameixas de sumo escaldante.

...Phil Collins, Patty Labelle, Dire Straits, Elton John...

O calor é insuportável, mas temos vinte e muito poucos anos e o pessoal aguenta tudo. Ameixas com bolos secos que se esvaem num instante esboroando-se e caindo-nos sobre o peito. Best friends that's all that matters.

Brian Ferry, Judas Priest, Paul McCartney, Neil Young, …

Ao final da tarde veio o convite, já não sei de quem, para ir a S. Julião apanhar Percebes. Percebes? Percebiamos mas não tínhamos a mínima ideia do bicho, o que interessa é ir, ir a qualquer lado que cheire a ir.... mas o que interessa é qualquer coisa.

Descer as escarpas em direcção às ondas da maré vaza e a onda que revolteia subitamente e arrasta gulosa o Parreira para o seu ventre.

Santana, Pat Metheny, Mick Jagger, Tina Turner...

Vinte e poucos anos, em segundos, sessenta anos e cabelos brancos pela percepção de um amigo que se perde.

Não, três dedos agarrados a uma rocha, depois surge a grenha de cão de água caída sobre os olhos e os beiços que devoravam dois pastéis de nata de uma dentada ou davam cabo de uma sandes em 9 segundos, a cuspir a água do mar. Afinal a onda não tinha assim tanta fome.

Rimos, somos putos outra vez.

Faz hoje 40 anos.

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