Lágrimas de mãe
Toquei-lhe na orelha procurando memorizar na ponta dos meus dedos os seus contornos, tenho pouco tempo, muito pouco tempo, dois ou três meses no máximo. Estamos em Outubro e três meses antes tinham dito seis meses. Seis meses, isto daria….
A sua mão esquerda em cima da mesa da cozinha, as unhas
estriadas e no dedo anelar duas alianças, uma de ouro e outra de prata. Procuro
decorar tudo.
Mas quem pousa a mão em cima da mesa não é ele. A última vez
que o vi era Agosto e estava de partida para o Algarve e ele à janela da
varanda despedir-se de mim com aquele olhar que me deixou de herança. Na altura
achei-o magro, mas pensei que era a ausência da barba recém cortada que o
tornava diferente aos meus olhos, não vi que ele estava a envelhecer, as
análises… tinha-as feito uns dias antes.
Agora não era ele, mas antes uma sombra do que fora.
A médica, com o resultado dos exames em cima da secretária,
recebe-me com palavras que eu não entendo, pergunto-lhe o que quer dizer e ela
explica-me por outras palavras mas com o mesmo, terrível, significado.
No fim fico para trás. “Quanto tempo?” pergunto.
“Seis meses!”
Na altura parece muito, mas à medida que percorro o corredor
do Hospital apercebo-me que todo o tempo do mundo não seria suficiente. Seis
meses são apenas uma gota de água na gota de água que é a nossa vida
À minha mãe correm-lhe lágrimas silenciosas pela face e o
lenço de papel que mantém amarrotado na mão, onde brilha no dedo anelar uma
aliança de oiro e outra de prata, serve agora e apenas, para levar ao nariz de
vez em quando. É aquele chorar de coração, sofrido, silencioso, de pessoa
habituada a ver serem-lhe arrancados pedaços de alma ao longo da vida. Não
chora, deixa apenas que as lágrimas lhe corram pela face enquanto manqueia
devagarinho pelo corredor. Coxeia desde daquele acidente na Rua Braancamp que
lhe fragilizou o andar para o resto da vida.
Não sei o que lhe dizer, ontem estava na praia, hoje estou
no corredor de um hospital sem saber o que dizer à minha mãe.
Oiço-a oito anos mais tarde, no preto que nunca mais despiu,
a embalar a minha filha: “Ru ruuu, ru ruuu” e eu ali sem palavras para ela e
sem palavras para mim próprio.
E coxeamos ambos por aquele corredor, ela pela perna que deixou de dobrar numa rua de Lisboa e eu pelas palavras que se perderam dentro de mim.
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