Lado errado
Todas as fotografias têm uma história.
Pelo menos as minhas têm… excepto, talvez, uma em que apareço com um copo de Gin numa mão, olhos pequeninos e um nariz de palhaço. Essa não tem história, não me lembro sequer de a ter tirado. Até duvido que seja eu.
Bom, mas esta tem.
Levantei-me cedinho, carreguei a minha velha 400D com a objectiva 100-300 e lá me pus eu a caminho de um local que tinha visitado a semana anterior e que, na altura, abarrotava de cegonhas.
Paúl ao meio impõe-se a decisão ir pela esquerda ou pela direita? Câmara em punho e sigo pela esquerda, até porque era por ali que tinha visto o passaredo e também não ajudava que do outro lado estivesse um gajo aos tiros
Mas hoje as Cigonias cigonias tinham ido gozar o feriado a qualquer lado e não se viam.
Com algumas dificuldades em camuflar-me por entre vegetação, uma vez que por ali, curiosamente, não abundavam muitos arbustos com o tom laranja florescente da minha t-shirt, resolvi ficar imóvel à espera que o rouxinol dos juncos que por ali cantava se pusesse a jeito para a fotografia.
Tum! Tum!
O gajo do outro lado do paul fartava-se se dar tiros e eu à espera do rouxinol, finalmente o bicho lá se pôs a jeito e levei lentamente a máquina à cara. Focou o ramo à frente, focou o ramo atrás, focou o ramo do lado e quando resolveu focar ave já o rouxinol estava a fazer ninho noutro local.
Nova oportunidade, foca o ramo à esquerda, foca o ramo à direita pisca uma luzinha uma e outra vez e lá sai uma fotografia muito mal conseguida. Filha da p.... da máquina, burra do caraças, vaca! Barafusto de mim para mim olhando para o monitor.
E do outro lado o gajo Tum! Tum!
Mais uns metros e aparece um bico de lacre. Quieto, nem um movimento! Máquina à cara, foco para a frente e para trás e quando foca o ramo nem sombras do bicho.
Tum! Tum! “Caraças,” penso “ o homem está a dar tiros a quê? Se calhar escolhi mal o lado do paul.”
Aparece outro passarito que não consigo identificar e desaparece por entre o juncos.
Tum! Tum!
Ó tomates, aqui só vejo pássaros que nem um dedo de tamanho têm, e aquele gajo farta-se de disparar. Devo ter mesmo escolhido mal o lado do paúl
Tum! Tum!
Filho da p... , grande cabrão está a dar tiros a quê? Haverá do outro lado leões e elefantes? C’aqui só vejo pássaros de merda. Filho da p...
Estava inspirado como se vê
Levanto a cabeça e, à minha frente, dois saca rabos atravessam em silenciosamente o trilho, parecem pisar pétalas de silêncio, nem um som.
Levanto a máquina e disparo, ou melhor imagino que disparo porque máquina foca, desfoca e por fim lá dispara mesmo antes do segundo saca rabos desaparecer por entre as ervas altas que ladeiam o trilho.
Deixa ver se ficou, deixa ver se ficou, penso olhando para o visor. Um resto de um rabo assoma-se à esquerda e só!
Levanto os olhos, um terceiro saca rabos olha para mim parado no meio do trilho. Ergo a máquina e, desta vez, nem o rabo.
Do outro lado do paúl ouvem-se mais dois estampidos. Tum! Tum!
Conformado, sorrio, não deixa de ter uma certa ironia. A mim, que ando aqui a fotografar pássaros, Deus dá uma máquina velha, ao outro que anda a matar a sua Criação, Deus dá uma arma nova.
… se calhar escolhi o lado errado da vida
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