Mãos de preto

 No metro, à minha frente, um preto  desliza os dedos  sobre o ecrã do telemóvel

 São dedos grossos como troncos de árvore crestados pelo pó de cimento que ainda não lhe abandonou as mãos após um dia de trabalho. São mãos feias, mãos ásperas, mãos de trabalho duro, mãos de obreiro que a cada toque no cristal do ecrã fazem desenrolar outras vidas nas histórias das redes sociais

Invento-o a chegar à casa e a tocar na face do bebé deitado no berço e o trejeito que o petiz faz ao sentir o toque desastrado daquelas mãos, imagino a repulsa que o filho mais velho sente quando aquelas mãos cansadas lhe afagam a bochecha. Imagino a esposa, também ela cansada, a dizer-lhe "não faças isso ao menino que ele não gosta"

Imagino-o a recostar-se no sofá puido e a cerrar os olhos na esperanca improvável que, um dia, os filhos gostem das suas mãos.

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