O suave milagre
A moça não era excessivamente bonita mas o rapaz do talho que a atendia não parava com as graçolas enquanto lhe aviava o meio quilo de iscas de porco. O sorriso era tão grande que começava numa ponta do balcão, passava pelo entrecosto e terminava no outro lado junto aos frangos do campo.
Há que saber esperar e eu esperei enquanto o bicho dengava mais um pouco tentando a sua sorte e ela lá ia correspondendo com a gargalhada suficiente para mante-lo cativo.
“E uns bifes desta peça não queres?” – tratava-a por tu - ”Podes levar à minha responsabilidade. A sério! Se não gostares vens falar comigo que eu devolvo-te o dinheiro!”. Se ele fosse tão eficaz no engate como a vender bifes não havia rabo de saia no raio de 100 quilómetros que lhe resistisse.
E lá cortou meia dúzia de bifes daquela bela peça de carne que ele tanto elogiara. A balança estava mesmo à minha frente e sem margem para qualquer dúvida, vi-o marcar bife do redondo, 9,99 € o quilo. Não estava caro, pensei, e de facto tinha muito bom aspecto, tanto que me decidi também a levar para casa uns quantos exemplares da espécie cortados às fatias de um dedo de grossura.
Quando chegou a minha vez e para me armar em entendido em cortes de carne e produtos de salsicharia, pedi seis bifes daquela peça do redondo ao que o mancebo me responde de imediato como se eu não tivesse mesmo com o nariz enfiado na balança onde ainda dizia bife do redondo “não, esta peça não é do redondo, é alcatra e custa 16,00 € o quilo!”.
Não pude impedir-me de pensar que vendo bem as coisas o primeiro milagre atribuído a Jesus de transformar água em vinho não tinha sido assim tão importante, afinal o jovem mancebo que tinha ali à minha frente vestido com um avental ensanguentado tinha, sem esforço algum e sem a ajuda de um séquito de apóstolos, transformado uma reles peça do redondo de 6,99 € o quilo numa magnifica peça de alcatra cujo quilo vendia a 14,00 €.
Bendito seja!
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