Era uma vez um lobo
Quinta-feira passada foi aprovada em Espanha, com os votos a favor de quatro partidos da direita, uma Lei que retira o lobo ibérico da Lepre (Listado de Especies Silvestres en Régimen de Protección Especial), para a qual tinha entrado em 2021, passando agora a ser uma espécie cinegética alvo da mira, telescópica ou não, dos bravos caçadores que poderão voltar a exibir a carcaça de um lobo ensanguentado amarrado ao capot do seu jipe e contar as suas façanhas como destemidos caçadores de lobos, primeiro nos encontros da classe onde se fazem acompanhar pelas suas esposas ricamente pindéricas trajando a preceito casacos e chapéus verde seco e depois, mais tarde, quando a artrite os atingir, aos seus netos que os ouvirão de olhos esbugalhados, imaginando, pela descrição do avô, como deveriam ser perigosas aquelas caçadas de tempos idos, sem lhes passar pela cabeça que o dito avô se limitava a abancar o cu num banquinho de três pés e esperar que os monteiros, com a ajuda de uma matilha de cães, fizessem correr os lobos na sua direcção e ao alcance do seu disparo sem que ele precisasse sequer de sujar as botas e que o único trabalho que teve foi tirar a tradicional fotografia de arma na mão e charuto na boca, ou vice versa se o brandy já fez efeito, ao lado de um cadáver de um animal escanzelado que fugia assustado e acossado daquele bando de inúteis e, no final da caçada, satisfeito o seu gosto por derramar sangue sem sentido algum, refastelar-se com um belo almoço de perdizes, coelhos bravos e narcejas que aos olhos dos petizes também deveriam ser animais muito perigosos.
As razões que os partidos preponentes da Lei apresentam para terem pedido a sua aprovação, prendem-se com a protecção de pessoas e bens, desta feita dos pobres pastores das terras do Norte de Espanha que, pelos vistos, têm sido muito castigados pelas hordas de lobos que lhes comem os cabritos sem lhes dizer água vai e isso é algo impensável, pois toda a gente sabe que tanto em Portugal como em Espanha e porventura na UE, criadores de gado, agricultores e Função Pública têm de ter um lucro garantido de 100%, se chove sai um subsidio contra intempéries, se faz sol sai subsídio contra a seca, se há uma gripe das aves, uma língua azul, um aumento da palha ou dos cereais, lá vai mais uma ajuda do contribuinte que, caso não tenham percebido, paga sempre duas vezes, primeiro no preço do bem produzido que devido à escassez aumenta n vezes para compensar a perda do produtor em quantidade e o bónus que o Estado lhe dá para compensar essa diminuição de lucros. Mas isso é outra conversa que não é para aqui chamada pelo menos para já.
Mas o que me ofende mais é que a lei também é proposta para diminuir o que eles chamam de “desperdício alimentar”, ou seja os lobos contribuem para exista um enorme desperdício alimentar, não sei se por não raparem bem os ossos, se por não consultarem regularmente nutricionistas que lhes indiquem uma dieta alimentar mais equilibrada, intercalando refeições de carne com refeições de trevos e papoilas que toda a gente sabe serem mais detox.
Mas tanto mais estranha é esta justificação quando provem de um pais que ocupa o honroso 62º no índice de obesidade mundial (já agora posso dizer que Portugal ocupa o 94º lugar, mas que certamente cairia para o 106º se o Manuel Serrão decidisse emigrar). Não se preocupam portanto estes Partidos de direita com o excessos alimentares dos gordos, para perderem tempo a preocupar-se com desperdício alimentar provocado pelos lobos, que calculo serem bem menores, ou iremos também a passar a ver inspectores alimentares a contar as calorias dos badochas ou à porta dos restaurantes e dentro dos caixotes do lixo a contabilizar quanta comida os espanhóis pagaram e deixaram na borda do prato?
Aguardemos para ver.
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