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A mostrar mensagens de março, 2025

Era uma vez um lobo

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Quinta-feira passada foi aprovada em Espanha, com os votos a favor de quatro partidos da direita, uma Lei que retira o lobo ibérico da Lepre (Listado de Especies Silvestres en Régimen de Protección Especial), para a qual tinha entrado em 2021, passando agora a ser uma espécie cinegética alvo da mira, telescópica ou não, dos bravos caçadores que poderão voltar a exibir a carcaça de um lobo ensanguentado amarrado ao capot do seu jipe e contar as suas façanhas como destemidos caçadores de lobos, primeiro nos encontros da classe onde se fazem acompanhar pelas suas esposas ricamente pindéricas trajando a preceito casacos e chapéus verde seco e depois, mais tarde, quando a artrite os atingir, aos seus netos que os ouvirão de olhos esbugalhados, imaginando, pela descrição do avô, como deveriam ser perigosas aquelas caçadas de tempos idos, sem lhes passar pela cabeça que o dito avô se limitava a abancar o cu num banquinho de três pés e esperar que os monteiros, com a ajuda de uma matilha de cã...

O suave milagre

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A moça não era excessivamente bonita mas o rapaz do talho que a atendia não parava com as graçolas enquanto lhe aviava o meio quilo de iscas de porco. O sorriso era tão grande que começava numa ponta do balcão, passava pelo entrecosto e terminava no outro lado junto aos frangos do campo. Há que saber esperar e eu esperei enquanto o bicho dengava mais um pouco tentando a sua sorte e ela lá ia correspondendo com a gargalhada suficiente para mante-lo cativo. “E uns bifes desta peça não queres?” – tratava-a por tu - ”Podes levar à minha responsabilidade. A sério! Se não gostares vens falar comigo que eu devolvo-te o dinheiro!”. Se ele fosse tão eficaz no engate como a vender bifes não havia rabo de saia no raio de 100 quilómetros que lhe resistisse. E lá cortou meia dúzia de bifes daquela bela peça de carne que ele tanto elogiara. A balança estava mesmo à minha frente e sem margem para qualquer dúvida, vi-o marcar bife do redondo, 9,99 € o quilo. Não estava caro, pensei, e de facto tinha m...

Em boca fechada...

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 Logo pela manhã tive o prazer de ouvir a primeira figura de Estado a debitar mais uma das patetices a que infelizmente já nos fomos habituando. Dizia a proeminente figura que é necessário e premente atrair mais jovens para a política.  Palermice trazer jovens para a política? Não! A palermice veio logo de seguida quando ele, com o entusiasmo que uma câmara de televisão, um microfone ou mesmo um gelado Corneto lhe provocam, continuou: “… e imigrantes. Portugal precisa de imigrantes na política, já repararam que Portugal com tantos imigrantes tem tão poucos representante na política?”.  Felizmente, nesta altura ou lhe cortaram a emissão ou lhe caiu a dentadura ao chão e o resto das suas ideias brilhantes ficou a amadurecer para uma próxima entrevista. Todavia a lebre estava levantada e, enquanto acabava uma valente fatia de pão alentejano com manteiga, dei por mim, muito intrigado, a pensar. “E coelhinhas da Playboy? Também há muito poucas na política, ou mesmo nenhumas se...

Dia do Pai

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 Pai, tenho saudades.  Sabes que eu nunca gostei de pirolitos, nem de qualquer outra bebida com gás, mas eu queria tanto o olho de boi que estava dentro daquela garrafa… Hoje é me impossível olhar para uma garrafa de pirolito sem me lembrar de ti e daquela pioneira das roulottes que se encaixava num passeio à saída de Moscavide onde me compravas um pirolito e uma fartura. A fartura descia, o pirolito é que não. O gás subia-me ao nariz e dava-me vontade de espirrar. Mas eu gostava tanto daquele olho de boi…  O Verão já terminou,  e ao fim da tarde já sopra aquela frescura que nos arrepia os braços logo abaixo da manga da t shirt e nós sentados naquelas cadeiras de ferro, eu com o gás do pirolito a subir-me ao nariz e tu de volta com a tua cervejinha, loira, com borbulhinhas de frescura a subir dentro do copo que levavas à boca delicadamente levantando o dedo mindinho  O dono da roulotte, de bigode à Errol Flinn, passa o pano no alumínio do balcão e fala com dois ...

Stephen Hawking

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 (publicado originalmente a 14 de Março de 2018) Às sete da manhã, quando liguei o rádio para ouvir as notícias da Antena 1 a primeira palavra que ouvi foram duas: Stephen Hawking! “Pronto, já está!”, pensei eu. “Para não abrirem o noticiário com um estudo levado a cabo por alunos paraguaios sobre a importância dos desenhos animados do Sponge Bob no desenvolvimento das crianças e falarem do homem é porque bateu a bota!”. Dito e feito, o homem bateu mesmo a bota! Stephen Hawking, talvez por me ter sido apresentado demasiado tarde, não era das minhas leituras favoritas, teve azar, apanhou-me demasiado tarde na vida. Depois de ter passado a minha fase de Eng.º Químico, que sucedeu lá pelos meus onze ou doze anos, na época em que me fechava na casa de banho por horas consecutivas e, sobre o lavatório, misturava num frasco parecido com uma proveta, vários tipos de essências: perfumes, elixir oral, xaropes e pastas de dentes na procura incessante de algo extraordinário que nunca tivesse ...

Os Viscondes e os dez milhőes de tolinhos

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(Publicado originalmente em 6 de março de 2022) Num país enclavinhado entre as brancas montanhas onde corria descalça uma menina de saias vermelhas atrás das cabras do avô e as densas florestas onde um veado chamado Bambi afiava as hastes, vivia um Visconde que estava a passar um mau bocado da sua vida acumulando dívidas atrás de dívidas ao ponto de estar em risco de perder a casa.  O Visconde já não sabia o que fazer na vida, tudo lhe corria mal. Perdia título atrás de título ao ponto de se tornar a chacota das outras famílias reais. Começara como Rei, passara a Regente, depois a Príncipe imperial, a Príncipe real, a Grão-príncipe, a Príncipe, a Arquiduque, a Grão-duque, a Duque, a Marquês (e que saudades ele tinha do Marquês), a Conde, a Conde-barão e agora era um mero Visconde e se as coisas não lhe começassem a correr de feição muito em breve passaria a um mero Conde. Estava ele a refrescar os pés descalços numa ribeira que por ali corria quando deu com um velhinho que o observ...