Tuba e Piano
No auditório Joaquim de Almeida, os intérpretes do concerto para tuba e piano são anunciados por entre uma salva de palmas.
Tuba? Como pode alguém pensar em tuba quando decide enveredar pelas artes da música?
Ao lado de um piano a tuba é rude, enorme, grosseira, e pertence à classe dos Zé Ninguém.
Aos primeiros acordes de piano fecho os olhos porque a música deve beber-se pelos ouvidos em flutes de champanhe para que o seu aroma não se perca nas luzes do palco.
Ao lado do piano, começa a ouvir-se uma voz, quase um lamento a subir de tom, que me faz lembrar um não sei o quê muito triste do meu passado. Perco o piano e só oiço a tuba, chora, ou melhor conta o seu fado com uma angústia na voz que só quem já passou por muito consegue transmitir.
Vagueio e também sem saber bem porquê aterro nas declarações de Tino de Rans: “todos os candidatos são iguais, mas parece que uns jogam em campos relvados e outros em campos pelados.” Fico a pensar, acho que toda a vida joguei em campos pelados, caindo uma e outra vez arranhando joelhos e coração.
A tuba continua a contar-me a sua e a minha dor. Diz quem percebe disso, que o violoncelo tem a capacidade de reproduzir como nenhum outro instrumento a angústia do ser humano. Concordo! Mas a tuba, a tuba é a voz, poderosa e grave, que nos conforta com a sua melancolia. Não admira que a voz dos homens nos Peanuts seja representada por uma tuba.
Charlie Brown também joga num campo pelado, o pequeno pumpkin patch onde joga baseball é pelado.
Imagino-o agora já adulto, com o cabelo a rarear, a retrospetivar a sua vida e os imensos pontapés no ar que a Lucy o obrigava a dar, enquanto conduz o seu utilitário em direcção à casa que possui nos subúrbios… e a Lucy por onde andará ela? Em pequeno sempre lhe tinham dito que iriam acabar por casar os dois, mas a vida nem sempre concorda com os nossos planos e um dia Lucy saiu da vida dele deixando-o dar um último pontapé no ar, o maior de todos.
Schroeder mudou-se para Viena e nunca mais tivera qualquer contacto com ele e o pequeno Linus… engraçado, quando as pessoas crescem… quando as pessoas crescem… como seria o pequeno Linus se a vida não tivesse desistido dele aos 21 anos?
A tuba lembra-me a voz de todos os pais, sempre presente mas muitas vezes ignorada como uma voz menor… João, tem cuidado... e o petiz, levando a mala às costas, desce do autocarro agarrando-se ao corrimão. E em Rans, o Tino perde as eleições mas não deixa que lhe digam o que não pode ser.
No palco som da tuba começa esmorecer até se silenciar
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