Censura às nossas Memórias
Ainda mal recuperado do estado catatónico em que havia mergulhado há uns anos quando mudaram o nome da Anita para Martine, esta semana sou atingido por outra notícia que vem abalar de forma irreversível a minha já fragilizada saúde menta: A notícia que os livros da Enid Blyton constavam de uma famigerada lista de livros impuros a que as crianças de mente frágil e sã não deviam ser acesso. E, à falta de uma Bücherverbrennung ao melhor estilo nazi, estão a ser discretamente remetidos para obscuras e inacessíveis prateleiras, ficando apenas à disposição dos infantes novas versões reescritas por pessoas mais sensíveis que a D. Enid e que não utilizem palavras e expressões tão datadas e tão potencialmente ofensivas como “cala a boca” , “não sejas idiota” “Gordo” ou “castanha”, quando este último termo se refere à cor da pele de um pescador, e que tanto parecem ferir a susceptibilidade dos coninhas moles e, mais tarde, podem mesmo levar as crianças que os lêem a entrar numa loja e desatarem aos tiros a toda a gente só porque nos Cinco Salvaram o Tio, no Capítulo Oitavo, havia uma alusão ao facto de um dos Cinco, o cão, estar a ficar gordo.
Esta decisão é tão mais despropositada quanto injusta porque se virmos bem, Enid Blyton foi até uma autora muito liberal e pioneira na escrita para o público juvenil, introduzindo uma personagem que, sendo rapariga, digamos,… não gostava muito de rapazes… vá lá, não me digam que nunca desconfiaram de nada. Sim, a Zé era..."coisa". Só que naquela altura aquilo não se podia dizer assim de forma tão aberta mas os sinais estavam todos lá; usava o cabelo curto, vestia-se como um rapaz, passeava-se pelas ruas a assobiar com as mãos nos bolsos dos calções e a atirar com os pés para o lado… vá lá, pensavam que era o quê? Uma chamada de atenção por ser filha única e viver isolada num sítio que não lembra ao diabo? A Zé era mesmo lésbica. E a meu ver a sorte foi a série de livros acabar no vigésimo primeiro livro porque a garota estava a ficar espigadota e aquilo ainda ia acabar por dar para o torto com a Ana pois toda a gente sabe que quanto mais prima….
Mas o que me faz mais confusão é porque é que estes algodõezinhos cheios de tremeliques em vez de se preocuparem com palavras como gordo e castanho não se preocupam com aquela autêntica situação abandono de menores a que os três irmãos, o Júlio, o David e a Ana, estavam sujeitos? Também não deram por nada, não é? Quer dizer as crianças andavam o ano inteiro enfiadas num colégio interno a estudar e mal tinham uns dias de férias, em vez de irem para casa ter com os pais, ala com os miúdos para casa dos tios. Nunca aqueles miúdos passaram uns dias de férias com os pais. Nem Natal, nem Páscoa, nem Carnaval, nem nada. Acabava a escola e toca de enfiar com eles num comboio para Kirrim para irem passear com a lésbica e apanharem ladrões.
Mas, na realidade e o que ainda não foi dito, é que as alterações não se irão verificar apenas ao nível de palavras como Gordo e Castanho. Nesta onda reeducativa os títulos dos livros também terão obrigatoriamente de ser alterados e “Os Cinco e os Contrabandistas” passará a designar-se por “Os Cinco e os alegados Contrabandistas” porque os seres mal encarados que andavam a carregar caixas sem pagar os direitos alfandegários ainda não foram a julgamento nem tiveram direito a defesa; “Os Cinco e a Ciganita”, passará a designar-se por “Os Cinco e a Socialmente Excluída com direito a RSI” e “Os Cinco na Casa em Ruínas” irá adoptar o nome de “Os Cinco na Casa com Projecto de Reabilitação Urbana aprovado para Alojamento Local”
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