Jacinto muito

 


“A terra precisava de ser mudada”

Olho para ela, a idade tornou-lhe os olhos cor de mel de urze num azul pálido, acinzentado. Olhamos ambos para as flores que medram na floreira. São Jacintos que lhe ofereci há muitos anos atrás e que apesar de maltratados pelas geadas de Inverno e pelo estio do Verão, insistem em renascer todas as Primaveras.

“A terra precisava de ser mudada”.

“Em vindo o tempo mais quente venho cá tratar disso”, prometo. Todos os anos prometo e todos os anos esqueço a promessa, o amanhã é tão fascinante...

Acho que todos os filhos são assim, acreditam ou refugiam-se na ilusória certeza da imutabilidade das coisas.

“Para o ano...”

Já não há “para o ano”, já não há amanhã, o tempo deteve-se para ela numa manhã fria de Dezembro, os seus olhos tornados azul pálido, escureceram-se da luz daquela manhã  e despedindo-se dos seus Jacintos partiu calmamente. Desistiu de promessas e foi ter com quem sempre lhe quis bem e pacientemente aguardou pela sua chegada.

Dois meses passados, o xaile pousado sobre as costas da cadeira do quarto faz-me sentir como nunca a imensidão da perda, o não mais ver, o não mais voltar ouvir a sua voz a não ser no meu coração.

“A terra precisava de ser mudada”.

Sinto-me orfão pela primeira vez e as mãos, sujas de terra fresca, deixam-me traços sob os olhos que teimam em velar-se. 

Os Jacintos têm terra nova e hão-de voltar a florir nesta Primavera.


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