Excusez moi
Num metro apinhado de gente de rostos fechados que se espreme uma contra a outra, viaja uma família carregada de malas, que adivinho recém chegada de Angola. O rosto do patriarca, que andará aí pelos 50 a 60 anos, presenteia-nos com um sorriso que lhe atravessa a face desde o lóbulo da orelha esquerda ao lóbulo da orelha direita, traçando uma linha que faz lembrar a mítica aspiração inglesa de criar o Cape to Cairo Railroald para rasgar e tornar seu todo o continente Africano. Aquele sorriso no seu rosto representa tão só a humilde inocência do povo africano que ainda não foi corrompida pela vida nas cidades.
Tudo para ele é novo, o Metro, as estações, a amálgama de pessoas que se comprimem para um dia de trabalho…
Veste um velho fato de treino do Manchester United com o emblema meio descosido e muito, muito coçado, que lhe denuncia a origem modesta.
Portugal é certamente a sua rota de fuga a uma vida de pobreza. O que irá encontrar não sabe, mas sonha certamente que será um futuro melhor que aquele esperava que a sua terra lhe pudesse oferecer. E a cada paragem, a cada pessoa que se aproxima de si, faz novamente menção de se levantar para oferecer o seu lugar parecendo não perceber muito bem se pode continuar sentado com tanto português (ia dizer branco) a viajar de pé e apertado. Ninguém aceita a troca de lugares, mas ele não desiste ou não o consegue evitar aquela postura de servilismo, uma nova paragem e um novo erguer dos fundilhos das calças, paragem a paragem. “Quer sentar?” só para receber de volta um abanar de cabeça ou um “deixe estar” que lhe devolve o traseiro ao acolchoado do banco.
Faz a viagem do Aeroporto à Alameda, no sobe e desce servil distribuindo cortesias e sorrisos mas, no final, não quer deixar aquela imagem de si aos portugas e, levantando o traseiro do banco e arrastando atrás de si as malas, pede com a altivez que lhe é possível “com licença” e depois, não satisfeito com aquela demonstração de domínio da língua portuguesa, dá um ar da sua graça com um “excuse me” e um “excusez moi” que imagina certamente lhe irão merecer a maior admiração dos outros passageiros e abrir as portas a um futuro brilhante
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