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A mostrar mensagens de agosto, 2024

O Sr Santana

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 Por vezes gosto de me considerar um guardador de memórias, até porque me faz acreditar que sirvo para alguma coisa.  Hoje, remexendo no meu velho baú de memórias, encontrei o Sr. Santana, cobrador reformado na empresa onde ainda vou fingindo que trabalho.  O caro Santana, homem de modos rudes, largo de compleição e nariz fibroso adorava a sua pinga, naturalmente quando digo pinga refiro-me a um barrilzinho de aguardente, sobre a qual ele dizia "Carlos, tenho de lhe trazer uma garrafinha de aguardente lá da terra. Com um bocadinho de açúcar amarelo lá dentro, ao fim dum mês parece uisc!" e depois contava a rir "quando vou com a família à terra, para cima vai tudo comigo no carro, à vinda para baixo vêem de comboio e eu trago o carro".  A cirrose levou-o há muitos anos e a garrafa de aguardente que me trouxe continua por abrir na minha garrafeira, mas tenho a certeza que se um dia a vier a abrir se saberá melhor que o melhor Oban.

O Jé

 No Lidl, um exemplar do sexo feminino, parca de carnes e cabelo cortado curto à beata de igreja, que se notava ter sido recém colorido de um loiro alaranjado para disfarçar  a cabeleira mais que grisalha, lutava com os botões da caixa multibanco e ia descrevendo a operação e ditando os afazeres  ao marido que, logo atrás dela, se escondia atrás de um imenso carrinho de compras que faziam a sua fraca figura parecer ainda mais enfezada. "Jé, olha para isto o que está aqui a dar. Jé, olha, olha,  ó Jé" O marido, ocupado a tentar controlar o carrinho de compras que mostrava tendência para fugir para a esquerda, não lhe podia dar a atenção que ela exigia". "Jé, vê lá, vê lá, olha os números. Jé.. Olha para aqui" E  o Jé de pernas fincadas no chão e cu espetado para trás a tentar segurar o carrinho que queria fugir fazia-me lembrar o capitão Ahab a tentar segurar a Moby Dick pelo rabo. "Olha, dij aqui código errado..." Pausa dramática. "Pois, estou aq...

Bucareste 30º à sombra

 Uma das razões que gostava de viajar com o Mourato é que não havia conversas de ir ao pacote. Mas alto é pára o baile. É preciso não confundir conversas de ir ao pacote com conversas parvas em que, felizmente, eramos pródigos. Tanto podíamos andar quilómetros a discutir a diferença entre uma Spur Cola e uma Coca-Cola ou a inventar uma letra estúpida para uma canção com que presenteássemos o Jacinto quando chegássemos à Ericeira, como podíamos estar horas em silêncio sem trocar uma palavra. Nunca havia aquela urgência em dizer qualquer coisa só para fazer conversa. As palavras surgiam quando tinham de ser ditas e os silêncios prolongados nunca eram embaraçosos. Ao contrário daquelas pessoas que estão almoçar e depois de uns segundos de silêncio se sentem no dever de falar do calor ou do frio que fez ou que vai fazer, dizíamos que tínhamos a dizer e nunca nos sentimos obrigados a mais,  Isto veio-me a propósito da mania que apanharam na Antena 1 quando anunciam o tempo para hoj...